“Exigimos que haja rapidamente o aumento do preço do leite” | Agricultor 2000


Jorge Rita, Presidente do Conselho de Administração da Associação Agrícola de São Miguel e da Cooperativa União Agrícola C.R.L., alerta que a taxa de execução dos planos de investimento tem sido muito inferiores ao anunciado pelo Governo Regional. Nomeações políticas também geram descontentamento da lavoura que pede uma defesa articulada da Região durante a discução da PAC e Posei na União Europeia

 

- Federação Agrícola dos Açores já analisou a ante proposta que recebeu no Conselho de Concertação Estratégica?

Jorge Rita - Vamos dar o nosso parecer até ao dia 20 de outubro, conforme o prazo estabelecido. No entanto, é preciso dizer que o modelo utilizado no conselho de Concertação Estratégico não é prático, nem eficiente.

Estamos a discutir um plano de investimentos regionais, com uma grande responsabilidade, mas apenas recebemos o documento no próprio dia da reunião. Ninguém tem a capacidade para analisar o documento desta forma. Este modelo de funcionamento do Conselho de Concertação Estratégica está caduco e irá ser alterado brevemente.

Sempre que analiso o documento fico assustado com aqueles números. O Governo Regional anuncia milhões e, na prática, paga-nos tostões. Se olharmos para os últimos anos o investimento na agricultura, apenas pode ser analisado com a execução dos planos, que é muito baixo.

O Governo pode dizer que tem perto de 60 milhões para a agricultura este ano. Todas as pessoas ficam a pensar que os agricultores contam com um grande plano de investimento, mas se a execução se limitar a 75 por cento, o valor anunciado do investimento é muito menor.

Normalmente o que acontece é que as execuções são baixas. O Governo Regional pensa que ficamos satisfeitos com os anúncios de milhões e depois existe menos verba para a Secretaria Regional da Agricultura executar o plano previsto, o que se demonstra, pela existência de pagamentos em atraso aos produtores e não só.

Este ano o plano está com uma execução muito baixa. Grande parte dos compromissos assumidos pelo governo vão transitar para o próximo ano. Não vejo ninguém a assumir até ao final do ano o pagamento de ajudas da responsabilidade regional.

O que assistimos muitas vezes é o Governo Regional anunciar ajudas provenientes da União Europeia (Posei e ajudas diretas do Prorural+), que muitas vezes são antecipadas, num calendário que é cumprido.  Todas as ajudas da Região raramente são cumpridas no ano.

Pelas nossas contas o Governo Regional precisa de oito milhões de euros, até ao final do ano, para pagar os apoios regionais que estão identificados em portarias e propostas apresentadas publicamente, nomeadamente, Proamaf, adubos (1,3 milhões de euros), Safiagri III (1,5 milhões de euros), rateio ao abate (1,3 milhões de euros) e os 45 euros por vaca (3,2 milhões de euros), sem identificar os restantes apoios a outras entidades.

- Que medidas devem ser reforçadas no plano de investimento para 2018?

J. R. - Sei que ao nível das infraestruturas vai haver um reforço interessante, mas pode não ser suficiente, já que no fundo está a repor verbas que foram retiradas nos últimos anos e que não concordámos. Mas não basta alocarem as verbas para ficarmos satisfeitos. É preciso executar as mesmas com obras.

As infraestruturas agrícolas têm uma grande influencia no rendimento dos lavradores, por via do melhoramento dos caminhos agrícolas, abastecimento de água e eletrificação das explorações. Uma exploração com estas três condições consegue ter, no mínimo, uma vantagem de mais três cêntimos por litro de leite face aos outros. Para que esta justiça seja feita, é precisa intervenção do IROA e dos serviços florestais.

Durante os últimos tempos os Serviços Florestais devido ao parque de máquinas estar desatualizado, deixaram de fazer novos caminhos e não conseguem fazer a manutenção dos existentes.

- Tiveram recentemente uma reunião com o Secretário Regional da Agricultura e Florestas?

J. R. - É verdade. Como é do conhecimento, temos reuniões periódicas com o secretário regional da agricultura e sua equipa, para que as medidas a implementar pelo Governo regional estejam o mais próximo da realidade. 

Nesta última reunião foram analisados assuntos como o Posei, o Prorural+, Proamaf, candidatura aos adubos, infraestruturas agrícolas e rurais, os pagamentos em atraso que já mencionei, o plano e orçamento, e ainda a situação do leite, no que se refere ao mercado, á venda da prolato ou da atribuição de 45 euros por vaca.

- Continua a defender que o prémio de 45 euros à vaca leiteira foi uma medida eleitoralista?

J. R. - Sim. Se a verba não foi paga este ano penso que foi uma medida eleitoralista.

O presidente do Governo Regional sabe que o aumento do leite apenas aconteceu de forma tímida e residual comparativamente às descidas, por isso, ainda precisamos desta ajuda. Para mim existe o compromisso do Governo Regional pagar o prémio de 45 euros por vaca leiteira, porque quando a ajuda foi atribuída a justificação é que o setor estava a viver uma crise. A situação de crise mantém-se na lavoura.

- O Governo deveria ser mais dinâmico e exigente no diálogo com as Indústrias para promover uma subida do preço do leite?

J. R. - O Governo não faz nada sobre o preço do leite. Desculpa-se que não compra e vende leite, mas houve decisões políticas em diversos países na Europa que tiveram reflexo na subida do preço do leite aos produtores. Na Holanda, o governo subsidiou o abate de 250 mil vacas, o que permitiu baixar a produção e aumentar o preço do leite que atualmente é pago a 38 cêntimos, por litro, aos produtores na Holanda.

Nós aqui recebemos entre 27 a 28 cêntimos por litro. É uma grande diferença.

Também existe o exemplo da França, aonde foi articulado com a produção, indústria e distribuição, um preço mínimo de venda do leite. Apesar de muitas pessoas considerarem isto ilegal, a realidade mostra-nos que foi possível implementarem-se medidas com este objetivo.

O Governo pode sempre colocar a sua influência para aumentar o preço do leite. Nos Açores, o governo deixou a responsabilidade individual a cada indústria. Durante uma reunião do Centro Açoriano de Leite e Laticínios (CALL), com a presença do presidente do Governo Regional, assumi que esta estratégia poderia ser um fracasso e foi o que aconteceu.

Atualmente estamos limitados no preço do leite porque houve algumas indústrias com estratégia errada. Não houve da parte do governo uma visão estratégica do setor. Deveria ser naquele momento que o governo deveria mostrar a capacidade para definir um rumo e uma estratégia.

- Neste contexto, como é que avalia o papel da indústria?

J. R. - Neste momento os produtores do continente recebem mais três cêntimos que os produtores nos Açores e existe a expectativa de um novo aumento no continente. Isso vai colocar os produtores no continente com um diferencial cada vez maior em comparação com os produtores nos Açores. Se tivermos em consideração o preço médio europeu que é cerca de 35 cêntimos por litro, o diferencial ainda é mais significativo. Os Açores estão atualmente, em termos de preço de leite pago aos produtores, nos últimos lugares.

A indústria tem fábricas modernizadas devido aos projetos de investimento que se candidatou no âmbito dos fundos comunitários, por isso tem a obrigação de inovar e já devia ter procurado novos mercados para a valorização do nosso leite que é o melhor do mundo e o mais mal pago da europa, por isso, exigimos que haja rapidamente o aumento do preço do leite, porque é de elementar justiça e não é nenhum favor.

- Porque motivo afirmou, recentemente, que o governo dá sinais que não gosta da agricultura?

J. R. - Há uma crise instalada e não existem soluções. Também verificamos que a nomeação do atual Secretário Regional da Agricultura, não surgiu no seio do setor.

O eurodeputado também não vem do setor.  Para o gabinete de representação dos Açores em Bruxelas foi nomeado uma pessoa ligada ao mar e ambiente. No parlamento regional não tem ninguém com conhecimento abrangente do setor.

Não coloco em causa as pessoas, nem o seu caráter, mas tenho toda a legitimidade para referir que estas escolhas não têm nenhuma ligação ao setor.

Imaginemos que um agricultor ou alguém com formação na área da agricultura, fosse colocado como dirigente da secretaria da Educação ou Saúde. O que as pessoas iriam dizer?

O presidente do Governo Regional dos Açores gosta da agricultura e quer defender a agricultura em Bruxelas de que forma? Com estas pessoas que não conhecem nem sentem a agricultura.

Isto acontece quando estamos a discutir a reforma da PAC e do Posei. Nós precisamos de pessoas que defendem os nossos recursos naturais na área da agricultura.

Nós precisamos de uma defesa articulada da Região para salvaguardar os nossos interesses. A nossa economia está muito assente na agricultura. O setor agrícola potencia outros setores, inclusivamente, o turismo.

Não podemos deixar de desinvestir na agricultura. As pessoas vêm aos Açores para conhecer as nossas belezas naturais, as nossas paisagens magnificas proporcionadas pelos agricultores, mas também para conhecer as nossas vacas felizes. Existem fotografias por todo o mundo das nossas vacas.

As próprias campanhas publicitárias dos Açores estão muito ligadas à nossa produção agrícola.

O turismo está muito forte, neste momento, mas é um negócio muito volátil.

Sabemos que o turismo gosta de vir para cá também porque existe segurança, ao contrário doutros locais, onde existem atentados terroristas ou guerras. Houve outras regiões que foram penalizadas por estes fatores e agora precisamos de ter a capacidade para fidelizar este turismo nos Açores.

Também é preciso definir qual o turismo que precisamos para sermos uma região sustentável. Deve haver um estudo do impacto das consequências do aumento do turismo nos Açores.

- Como é que avalia o trabalho do Ministério da Agricultura?

J. R. - Existem decisões que são tomadas pelo Ministério da Agricultura que podem ter influência na Região, mas também temos autonomia para decidir sobre os envelopes financeiros.

Achamos estranho que a Região não procure resolver o problema da Segurança Social, principalmente dos jovens agricultores e também do pagamento por conta. Vejo a Região demasiado acomodada com este tipo de reivindicação.

- Como analisa o trabalho dos deputados açorianos na Assembleia da República?

J. R. - Os nossos deputados têm mostrado as nossas reivindicações na Assembleia da República. Nós temos bons políticos dos Açores na República. Carlos César foi presidente do Governo Regional e do PS Açores e Berta Cabral, foi presidente da Câmara de Ponta Delgada e presidente do PSD Açores. Também conhecemos todos os outros deputados, sendo que o António Ventura do PSD vem da agricultura.

A nossa expectativa é que podem ainda fazer mais, apesar de sabermos das suas limitações.

- No final deste mês o Presidente da República vai reunir com os agricultores em Santana. Qual a mensagem que pretende apresentar a Marcelo Rebelo de Sousa?

J. R. - O Presidente da República tem efetuado um trabalho extraordinário. A lavoura vai reconhecer o trabalho fantástico na notoriedade que dá aos produtos da Região, ao nível do leite, queijo e derivados e outros produtos de excelência.

Em todos os eventos que participa com produtos dos Açores destaca os produtos da Região, nomeadamente na feira de Santarém, onde a associação agrícola de São Miguel esteve presente com um stand de produtos regionais

Nós precisamos hoje muito do Presidente da República. Viver em ilhas é muito difícil, devido à insularidade.

Nós precisamos de uma região forte e sustentável para que todos possam usufruir da mesma qualidade de vida.

Ninguém deve ficar para trás e todos devem ser tratados da mesma forma para que o sucesso da economia dos Açores seja transversal a todos.