É inadmissível a descida do preço de leite | Agricultor 2000


O Presidente da Associação Agrícola de São Miguel, Jorge Rita, refere que num período em que o setor agrícola está a passar por um momento muito difícil "a diminuição do preço do leite é uma afronta aos produtores". Fala ainda, da importância dos fundos comunitários para a região, nomeadamente, da PAC pós 2020 e também da discussão entorno do novo Posei.

Criação de um calendário indicativo de ajudas regionais, conclusões do último conselho regional da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural e ainda o XVII Concurso Micaelense da Raça Holstein frísia são ainda temas abordados nesta entrevista

- A Federação Agrícola dos Açores a que preside tem estado na vanguarda da reivindicação de um aumento do envelope financeiro do POSEI Agricultura. Existe uma proposta concreta do Governo dos Açores para este aumento apresentado em Bruxelas através do Estado membro? Considera que estão criadas as condições em Bruxelas para a Comissão Europeia aprovar um aumento da verba do POSEI?

Jorge Rita - Todos os agentes da região já apresentaram em Bruxelas a necessidade de reforçar o Posei, e existem mesmo países como a Espanha ou a França, que são aliados de Portugal nesta luta, pelo que, existem condições objetivas para que o Posei possa ser reforçado.

A Federação Agrícola dos Açores tem ido a Bruxelas com frequência e tivemos recentemente com o Ministro da Agricultura, onde tivemos a oportunidade de mais uma vez, reforçar a nossa posição.

Também necessitamos de aumentar a dotação no próximo quadro comunitário de apoio (PAC pós 2020) porque ainda há muito a fazer para que a agricultura regional continue a ser uma atividade vital e sustentável, assente em setores fortes, como do leite, da carne, hortoflorifruticola ou da própria agricultura biológica, e onde a entrada de mais jovens agricultores deve ser também uma preocupação para todos.  

No caso regional, as ajudas diretas fazem-se fundamentalmente pelo Posei, que é um programa comunitário que reconhece a nossa condição ultraperiférica, e face às elevadas execuções existentes, o que tem provocado rateios em várias medidas, é justo e razoável, que o Posei possa ser aumentado em 20 milhões de euros, que é o valor necessário para fazer face às necessidades do setor. A propria Comissão reconheceu no seu relatório a importância do Posei para os Açores.

Este é um trabalho conjunto e onde todas as entidades têm de estar juntas na defesa dos interesses dos agricultores Açorianos e principalmente o Governo Central que é quem tem assento nas negociações.

- A PAC Pós 2020 está em discussão.

J. R. - Estamos no inicio da discussão da PAC pós 2020, e como é normal nestes períodos de discussão e debate, a informação divulgada por Bruxelas é sempre muito incerta, existindo muitas declarações de comissários europeus e ministros da agricultura, sobre a evolução das negociações.

Os fundos comunitários continuam a ser fundamentais para a coesão da União Europeia, nomeadamente, no setor agrícola, onde existe a Politica Agrícola Comum, que define as principais linhas de orientação na Europa.

Nos Açores, a importância dos fundos comunitários ainda é maior, porque embora, o setor agrícola tenha registado uma melhoria significativa nas últimas décadas, ainda existe muito por fazer, para que a nossa agricultura possa ser competitiva nos mercados, que são cada vez mais agressivos e seletivos; Também a nossa condição ultraperiférica será sempre uma condicionante estrutural que não desaparecerá, nomeadamente os custos acrescidos decorrentes de condicionantes especificas, como os transportes, existência de explorações de pequenas dimensões, dispersão das ilhas, e também, condições climatéricas e de relevo muito próprias e difíceis, e atrasos infraestruturais.

 Na última reunião do conselho de ministros da União Europeia, foram apresentadas três propostas, sendo que na primeira, não existiam cortes nos fundos comunitários, uma segunda, que previa 15% de cortes e finalmente, a terceira, com uma quebra de 30%.

Sabemos que a saída do Reino Unido traz alterações significativas no orçamento comunitário, estando por isso, em equação, a possibilidade de aumentar a contribuição de cada estado membro de forma a compensar a quebra prevista. Esta ou outras soluções, estão em cima da mesa das negociações.

Na região, todos temos de nos unir, desde a produção, ao Governo Regional, partidos regionais, eurodeputados e também o Governo da República, para que os Açores sejam devidamente defendidos em Bruxelas, porque o trabalho terá de ser muito e bem feito, para que os meios financeiros dos fundos comunitários para a agricultura sejam superiores aos atuais.

- Os produtores de leite da Região produziram o ano passado 611,3 milhões de litros de leite, batendo todos os recordes de produção, apesar de algumas indústrias de lacticínios terem pedido contenção. Que indicações querem dar os agricultores com este aumento de produção quase contra tudo e todos?

J. R. - A resposta dos agricultores é sempre positiva quando são dados estímulos, o que infelizmente nem sempre acontece. O aumento de produção deveu-se a alguns fatores, como a politica de algumas indústrias, o tempo favorável que se tem registado, ou o excelente melhoramento genético associado a um bom maneio dos animais.

No entanto, o preço de litro de leite pago aos produtores continua a ser muito baixo, já que o preço da região está a 3 cêntimos do praticado no continente e a 8 da média europeia.

Estas são diferenças inadmissíveis e que descredibilizam a fileira, por isso, os produtores têm a legitima expectativa de que o preço do leite pago à produção nos Açores possa registar um aumento em 2018.

As indústrias têm de melhorar os preços praticados procurando os mercados que sejam capazes de valorizar a excelência do nosso leite, enquanto que o Governo Regional deve apoiar e incentivar a promoção dos produtos regionais no exterior.

Os agricultores sabem produzir com qualidade, tal como têm provado, necessitam é que se continuem a criar condições infraestruturais para que possam aumentar a produtividade das suas explorações, respeitando sempre, vertentes como o ambiente ou o bem-estar animal.

- A insulac anunciou a descida de 1 cêntimo no preço do leite.

J. R. - São situações que não poderemos compreender e não podemos de maneira nenhuma aceitar.

É inadmissível que num período como este, onde os mercados continuam positivos e onde as indústrias regionais não subiram o que cortaram em 2016 e 2017, vir a Insulac diminuir o preço. E uma afronta a quem trabalha e a quem se dedica a esta fileira.

Este é um momento que requer reflexão e o Governo regional tem de uma vez por todas, impor regras no setor, porque se há mais produção, sem que a indústria consiga valorizar o leite de qualidade que recebe, a própria fileira está em causa.

- Foi anunciado que uma elevada percentagem dos agricultores açorianos estão a atravessar graves dificuldades, com várias explorações pecuárias em risco de fechar as portas. Em sua opinião, quais as medidas que deveriam ser implementadas para evitar um eventual colapso destas explorações agrícolas?

J. R. - Esta situação é o resultado da liberalização do regime de quotas num processo de desregulação do mercado de leite, que se iniciou com o embargo à Rússia e com a diminuição do consumo por parte da China.

Sabíamos que iria existir concorrência de alguns países, devido aos preços que praticam, por isso, sempre alertamos para a necessidade de valorização dos nossos produtos nos mercados, e neste particular, embora existam alguns bons exemplos, ainda temos de percorrer um caminho longo e árduo, para que possamos potenciar a excelência e a qualidade do nosso leite, que é o melhor do mundo.

Tal como prevíamos ao longo dos anos, eram previsíveis estas consequências numa região ultraperiférica como a nossa, e deveria ter existido uma ação mais agressiva nos mercados lácteos capaz de dar sustentabilidade à fileira por parte das indústrias. Também não podemos esquecer que em todas as ilhas tínhamos alguns atrasos estruturais que necessitavam de ser ultrapassados.

No entanto, a Agricultura e em particular o setor do leite, continua a ser o futuro da nossa região, por isso, nunca o podemos descurar e temos de aproveitar a retoma do mercado e perceber que as perspetivas dos mercados são positivas, prevendo-se que o consumo de produtos lácteos no mundo seja crescente nos próximos anos.

Temos também de fazer campanhas de promoção do leite, invocando sempre a excelência dos nossos produtos e suas potencialidades e arranjar forma de combater algumas opiniões infundadas sobre possíveis malefícios do leite, que não existem e são fruto de alguns lobbies que em nada contribuem para a harmonia das sociedades.

- Surgiu uma noticia em que referia a falência de 60% das explorações leiteiras..

J. R. - Essa afirmação surgiu na ilha Terceira, em fevereiro de 2016, no âmbito do II Fórum do Leite, numa organização do Governo Regional dos Açores.

Neste fórum, foi apresentado um estudo sobre o impacto do fim das quotas leiteiras na região, por uma empresa contratada no exterior, pelo Governo Regional dos Açores, onde se previa que se não houvessem ajudas compensatórias aos produtores, esta opção politica da União Europeia, originaria na região, a falência de 60% das explorações leiteiras.

Como é óbvio, não fiquei satisfeito com estas conclusões e sabendo das dificuldades do setor leiteiro e das apreensões que os produtores tinham na região, insurgi-me com esta situação, perante um estudo aterrador para a fileira, que é a principal atividade económica do arquipélago.

No entanto, recentemente foram descobrir esta entrevista dada há dois anos e incluíram-na num contexto completamente diferente, passando a ideia de que ela foi dada recentemente, o que desvirtua o objetivo da mesma, já que o alerta era para a necessidade de se criarem medidas próprias para os produtores de leite regionais, capazes de compensar os efeitos nefastos que posteriormente existiram, resultantes da abolição das quotas leiteiras.

Mas não posso deixar de referir que todos os agricultores sabem das suas contas e entre o que recebem e o que pagam, muitos deles têm muitas dificuldades em sobreviver, porque as receitas não cobrem as despesas, embora o seu ativo, que inclui a componente física da exploração (animais, terras, máquinas, etc), possa ser superior ao passivo global, não se reflete no fundo de maneio disponível e aí surgem as dificuldades e os constrangimentos na tesouraria.

- Que soluções a Federação Agrícola dos Açores espera que se adoptem para revitalizar o sector agrícola regional? Estas soluções foram abordadas no último Conselho Regional da Agricultura?

J. R. - Antes de mais, o Governo Regional dos Açores tem de acreditar no setor e não o pode descurar face a outros, que têm a sua importância, mas não têm os impactos sócioeconómicos que a agricultura detém em todas as ilhas e no que é capaz de potenciar outros setores.

Deve por isso, cumprir com os compromissos assumidos juntos dos agricultores e das organizações de produtores, devendo criar um calendário indicativo dos pagamentos das ajudas regionais aos agricultores, para que estes possam saber as datas, em que recebem os apoios, tal como já acontece, com as ajudas comunitárias. Refira-se que os pagamentos dos agricultores ao estado (segurança social ou regime fiscal) têm de ser cumpridos na integra, por isso, é de elementar justiça que o mesmo aconteça nos pagamentos do Governo Regional.

Outro fator essencial na ação governativa é a internacionalização dos produtos Açorianos, que deve ser assente em produtos de gama alta, associados à marca Açores e onde devemos acreditar em novos mercados. Um exemplo é a falta de produtos Açorianos na região macaronésia, porque não se compreende que na Madeira, nas Canárias ou em Cabo verde, não estejamos presentes duma forma consolidada.

A existência do CALL (Centro Açoriano de Leite e Lacticínios) deve ter capacidade de promover os produtos Açorianos no exterior, através da elaboração de candidaturas e criar condições para que o leite dos Açores tenha o reconhecimento devido.

No âmbito da carne, a criação da CERCA (Centro de Estratégia Regional da Carne dos Açores) deve potenciar um setor de grande importância para muitas das ilhas dos Açores, devendo ser capaz de articular as principais vertentes deste setor.

A Federação Agrícola dos Açores apresentou também um conjunto alargado de preocupações que assolam a Agricultura Açoriana, referentes à fileira do leite, da carne, setor hortoflorifruticola, agricultura biológica, estatuto da agricultura familiar, PAC pós 2020, Posei, Prorural+, projetos de investimentos, infraestruturas agrícolas - caminhos agrícolas, abastecimento de água e eletricidade às explorações, reforço das organizações de produtores existentes, implementação dos seguros agrícolas que é vital nos Açores, transportes marítimos entre e para fora das ilhas (em que o poder instituído não permite melhorar os preços e a logística associada), pagamentos em atraso, pagamentos dos agricultores à segurança social (que penaliza os agricultores, especialmente os jovens agricultores e que necessita de alteração ao nível da Assembleia da República) e regime fiscal em vigor, entre outros, que necessitam de resoluções e de empenho por parte das entidades públicas, cooperativas e privadas.

Há muito tempo que temos alertado para as consequências da existência de muitos ratos em todas as ilhas. Este é um problema de saúde pública que deixou de afetar só os agricultores, passando a atingir outros estratos da sociedade. O seu combate deve ser feito duma forma coordenada, integrada, eficaz e sem receios, onde as associações devem fazer parte integrante da estratégia de desratização programada para a região.

O Conselho Regional de Agricultura é um órgão onde estão representadas muitas organizações e não tem o carácter executivo que todos desejamos, já que daqui não saíram grandes decisões que sejam capazes de alterar o rumo dos acontecimentos. É evidente que existem boas intenções, agora vamos ver se as ações corresponderão ao pretendido pelos agricultores.

O Conselho decorreu com grande sentido de responsabilidade já que todos os intervenientes presentes, discutiram os vários assuntos ligados ao setor agrícola duma forma responsável e refletida.

- Foi anunciado a aprovação de novas candidaturas ao SAFIAGRI III…

J. R. - Este é mais um anúncio da responsabilidade da Secretaria Regional da Agricultura e Florestas que vem dar uma imagem do setor que não é autêntico, já que este era um pagamento que deveria ter sido feito ainda em 2017, por isso, vem tarde e mesmo assim, é anunciado com pompa e circunstância.

Quando no fim do ano passado, dizia que o Governo Regional tinha de disponibilizar 8 milhões de euros para cumprir com os compromissos, era exatamente, para o SAFIAGRI III, o Proamaf, rateio de bovinos, ajuda dos 45 euros por vaca, ou para a ajuda aos fertilizantes, que ainda está por pagar a candidatura feita em 2017.

A utilização do gabinete de comunicação do Governo Regional (GACS) pela Secretaria Regional da Agricultura e Florestas deveria estar em consonância com a realidade do setor, porque as dificuldades que os agricultores sentem, é muito diferente da mensagem que é transmitida e o Secretário Regional da Agricultura e Florestas deveria ser mais ponderado na forma como divulga a informação, porque contribui para uma ideia errada de que o setor está constantemente a receber verbas do Governo, o que não corresponde à verdade.

- Entretanto, O Governo Regional, através do IROA, decidiu implementar um tarifário pela água que chega às explorações…

J. R. - Nós concordamos com esta medida porque contribuirá para a racionalização do consumo da água, mas deve ser aplicado um preço justo e que se deve enquadrar no tarifário em vigor praticado pelas camaras municipais.

Um dos fatores preponderantes na qualidade do leite tem a ver com as características da água que é fornecida e muitas vezes, a água ao dispor dos lavradores não tem as condições que todos desejamos, por isso, com esta medida, exigiremos de quem a fornece, o faça dentro dos parâmetros estabelecidos pelas entidades oficiais.

Também, será da responsabilidade da entidade que taxa a água, o seu fornecimento ao longo de todo o ano, independentemente das condições climatéricas registadas. Por outro lado, exigiremos sempre mais investimento nesta área, já que, ainda existem muitas explorações que não têm acesso a este bem, o que não é compreensível numa região como a nossa, onde chove regularmente ao longo do ano, mas que, por falta de aproveitamento, a grande maioria da água acaba por desaguar no mar.

Finalmente, alertamos para a necessidade de uniformizar o preço da água consumido na agricultura, porque as várias camaras municipais, praticam preços diferentes, pelo que, é de elementar justiça, que exista um trabalho nesta área, capaz de moralizar esta situação.

 

XVII Concurso Micaelense da Raça Holstein Frísia

Já foi marcada a data do XVII Concurso Micaelense da Raça Holstein Frísia?

Sim, foi uma data que surgiu de um consenso, e que ficou acordado em reunião da Federação Agrícola dos Açores e com o Secretário Regional da Agricultura e Florestas. Assim, o XVII Concurso Micaelense da Raça Holstein Frísia decorre entre 31 de maio e 3 de junho de 2018, antecedendo a Feira Agrícola Açores, que se realiza na ilha Terceira, entre 15 e 17 de junho.

Estamos convictos que é uma boa data para o concurso e que estão reunidas as condições para que mais uma vez, seja um evento capaz de transmitir a qualidade e a excelência dos nossos animais.

 

CALL (Centro Açoriano de Leite e Lacticínios)

O CALL continua a desenvolver o seu trabalho?

O CALL, do qual a Associação Agrícola faz parte da direção, esteve presente no Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, numa sessão de esclarecimento sobre o regime de apoio à promoção dos produtos agrícolas e agroalimentares europeus, visto que, vai apresentar uma nova candidatura dos Lacticínios dos Açores no Canadá e na China.

Reuniu-se também com o embaixador do Canadá no âmbito do acordo do CETA entre o Canadá e a União Europeia, onde foi debatido a nova quota anual para a importação de queijos produzidos na União Europeia que em 2022 atinge o limite de 16.000 toneladas, beneficiando da isenção de direitos aduaneiros.