A importância da transferência embrionária | Informações Técnicas


Os açorianos, mais concretamente os micaelenses, desde há muito demonstram uma relação muito forte com os bovinos. Para qualquer residente os bovinos já fazem parte integrante da paisagem açoriana.

A partir da década de oitenta, quando as culturas industriais (tabaco, beterraba, chicória, trigo,…) começaram a perder importância na economia açoriana, a exploração de gado bovino para a produção de carne e leite, foi crescendo progressivamente, até se tornar no mais importante sector da economia açoriana. A dependência económica deste setor tornou-se tão evidente, que foi apelidado de monocultura da vaca, o novo ciclo económico dos Açores.

Os agricultores embalados por este novo ambiente económico trataram de investir no melhoramento das suas explorações. Este incidiu essencialmente no maneio alimentar, na sanidade e no melhoramento genético dos seus efetivos, de forma obterem melhores rendimentos.

O entusiasmo foi tão grande que os agricultores organizaram diversas amostras (feiras) de gado, pelos vários concelhos da ilha. A organização destes certames foi muito importante, quer para entusiasmar os mais jovens a se dedicarem ao setor, quer para sedimentar a forte relação que a população Açoriana em geral tem com as vacas. 

Depois da divulgação da dinâmica do setor nos diversos certames, no fim da década de noventa, houve a necessidade de organizar uma única exposição de maior dimensão, mais profissionalizada, na qual toda a ilha de São Miguel se sentisse representada através das mais diversas explorações. A organização passou a estar a cargo da Associação Agrícola de São Miguel (AASM). Esta, por sua vez, passou a investir muito nestes eventos, formando os produtores, de forma a saberem selecionar e preparar os seus animais, no sentido de evidenciarem todas as qualidades morfológicas, tornando-os mais capazes de disputar os lugares de destaque nestes concursos. Nos últimos doze anos tem-se organizado vários cursos, de juízes, preparadores de animais e manejadores de animais em pista.

Ao longo dos anos os concursos têm sido sempre julgados por juízes internacionais. As suas exigências e recomendações têm sido aproveitadas quer pelos organizadores dos eventos, quer pelos produtores, para melhorar a qualidade dos eventos e dos animais expostos. Os concursos têm atingido um elevado nível de qualidade, de forma que obtiveram o reconhecimento nacional e internacional, ao ponto de passarem a ser considerados como autênticos cartazes turísticos para os Açores e ilha de São Miguel em particular.

Para aqui chegarmos, houve um longo e exigente caminho a percorrer no campo do melhoramento genético. Sem dúvida a inseminação artificial (IA), foi a técnica que mais revolucionou o melhoramento genético na região. Com o seu incremento a partir dos anos oitenta e com a forte adesão dos produtores, rapidamente foram conseguidas melhorias que eram facilmente notadas na qualidade dos animais. Ano após ano, as vacas tornaram-se mais uniformes do ponto de vista morfológico, mais funcionais e passaram a produzir mais leite e matéria seca.

Os técnicos envolvidos no melhoramento genético facilmente identificaram quais os pontos críticos onde se devia intervir. Produção de leite, melhoramento do sistema mamário e das pernas e pés, foram aqueles parâmetros, que mais influenciarem a escolha dos reprodutores masculinos como produtores de sémen a utilizar. Rapidamente foram conseguidos resultados muito bons nos parâmetros pretendidos. Isto entusiasmou de tal forma os produtores e os técnicos, que em conjunto definiram como objetivo melhorar a componente morfológica das vacas. Desde então a seleção de reprodutores machos que conciliavam as componentes produção e conformação, passou a ser uma exigência do programa de melhoramento.

A obtenção de vacas altamente produtivas, funcionais, uniformes e duradoiras, passou a ser um alvo a atingir por parte dos produtores. No início da década de noventa começou a ser utilizada nos Açores a técnica da transferência embrionária (TE), que veio revolucionar ainda mais o melhoramento genético dos efetivos bovinos de São Miguel. Com a chegada à região de um técnico canadiano especialista nesta área (Dr. Marten Ringelberg), iniciou-se uma nova etapa no melhoramento genético. Em 2001, este técnico foi contratado pela AASM/CUA para fazer parte da equipa de TE, dando-se início a uma mudança de paradigma, no que respeita à conceção então existente relativamente ao melhoramento.

A TE, como técnica avançada na reprodução/melhoramento possui inúmeras vantagens, das quais se destacam:

- A possibilidade de utilizar o elevado potencial genético de uma fêmea em qualquer fase da vida útil, e especialmente vacas em fim de vida produtiva;

- Utilizar fêmeas com baixo potencial genético como barrigas de aluguer;

- Reduzir o intervalo entre gerações (obtenção de várias filhas por ano da mesma fêmea);

- Congelar e armazenar embriões e utilizá-los em épocas e locais diferentes;

- Possibilidade de disseminar animais geneticamente superiores, através da exportação de embriões para outras regiões, países ou continentes. Esta modalidade é aquela que melhor se adequa à nossa região, relativamente à venda de genética para o exterior.

A circunstância de existirem alguns constrangimentos relativamente à venda de animais vivos para fora da região, quer devido às condições e preço do transporte marítimo, quer devido às restrições sanitárias existentes, acresce ainda o fato, de todas as fêmeas serem vacinadas com a vacina Rb51, para controlar e erradicar a Brucelose bovina. Estes condicionalismos levaram a que, a comercialização e exportação de embriões congelados, se tornassem a mais consistente forma na venda de genética bovina. Muito provavelmente só por esta via, é possível projetar a imagem da elevada qualidade das nossas vacas, em qualquer país do mundo.

A elevada qualidade genética das nossas vacas, reflete-se no facto de 70% das vacas classificadas como excelentes pela Associação Portuguesa de Criadores da Raça Frísia (ACPRF), residem ou residiram nos Açores. Esta circunstância pode ser comprovada pelo circuito de exportação de embriões já existente entre os Açores (ilha de São Miguel), e o continente Português e Espanhol.

Como resultado da venda de embriões para o exterior, muitas das fêmeas deles resultantes, tem sido premiadas e vencedoras em vários concursos, realizados em diversas zonas do continente Português, o que atesta bem da qualidade genética dos nossos efetivos bovinos.

Algumas explorações da região com potencial genético mais baixo, apostaram em massa na TE, usando a maioria das vacas como barrigas de aluguer. O resultado conseguido foi uma incrível melhoria na qualidade das suas vacas num curto espaço de tempo, verificando-se um considerável encurtamento do espaço entre gerações. A técnica de sexagem do sémen nos últimos anos tem contribuído para acentuar, ainda mais, o encurtamento entre gerações. O fato de se poder utilizar sémen sexado, nas vacas submetidas a superovulação, permitiu a obtenção de um maior número de embriões de sexo feminino e consequentemente um maior número de vitelas nascidas.

O aparecimento de novos e melhores materiais utilizados na TE, como hormonas, meios de lavagem e meios de congelação, tornaram a técnica cada vez mais eficaz e rentável. Foi possível aumentar, simultaneamente, o número de embriões por lavagem, a fertilidade dos mesmos e consequentemente reduzir custos.

A CUA detém hoje um centro de TE, com uma equipa certificada, (composta por três médicos veterinários) que ao longo dos anos vêm mantendo uma atividade regular em termos de colheitas. De 2010 a 2015 foram efetuadas 422 lavagens (média de 70 por ano), obtendo-se 2666 embriões viáveis, em média 6,33 embriões transferíveis por lavagem. Do total de embriões viáveis, 492 foram transferidos em fresco, os restantes 2174 foram congelados para serem implantados na região, ou comercializados para o exterior (Portugal Continental e Espanha).

O interesse desta publicação é, demonstrar que a TE tem sido de enorme importância no melhoramento genético dos bovinos de leite na ilha de São Miguel, e que esta será no futuro, sempre uma mais-valia, na venda de genética de qualidade para fora da região.

 

Dr. João Vidal

MÉDICO VETERINÁRIO