Micotoxinas e seus efeitos em vacas leiteiras | Informações Técnicas


A evolução genética na produção leiteira ao longo dos anos permitiu desenvolver vacas leiteiras com enorme capacidade de ingestão e metabólica, facto confirmado pelas produções acrescidas por cabeça hoje em dia. No entanto, esta fantástica capacidade produtiva aliada à necessidade de crescimento do cultivo de cereais à escala mundial, maiores trocas comerciais e mudanças climáticas têm levado a um crescimento global da contaminação dos alimentos e por sua vez os ruminantes foram tornando-se mais sensíveis e menos capazes de neutralizar possíveis contaminações na alimentação por micotoxinas. O conhecimento que temos nos nossos dias dos seus efeitos e origem tornaram este assunto de extrema importância para produtores e técnicos que os acompanham. É sabido que a presença vulgar e variável de fungos nas plantações pode ser em parte corrigida com o recurso de antifúngicos, mas não aos subprodutos segregados por eles, vulgarmente chamados de micotoxinas. Deste modo, grande parte das toxinas (95%) são produzidas já no campo e posteriormente transferidas para a alimentação com os efeitos que vão ser descritos neste artigo. Não existe nenhum processo químico ou térmico para eliminar as micotoxinas, daí que apenas a sua absorção ou desactivação, que irá ser descrita mais adiante é capaz de suprimir os seus efeitos. Os ruminantes, ou as vacas leiteiras face às vacas tradicionais, têm uma capacidade de inactivação de micotoxinas reduzida face à ingestão rápida e volumosa de alimentos, com o agravamento do efeito acumulativo que sofrem no fígado e outros orgãos. No passado, a preocupação seria mais com efeitos tóxicos e visíveis como a própria morte do animal, facto mais raro, mas a verdade é que níveis bem mais baixos do que os preconizados oficialmente ou mesmo analisados, podem ter efeitos não só agudos como crónicos com prejuizos económicos graves e perda da capacidade produtiva dos animais. Referimo-nos não somente em relação a alimentos concentrados como silagens (erva ou milho) mas também aos pastos. A zearalenona (ZEN) e deoxinivalenol (DON) são vulgarmente encontradas tanto na erva como nas silagens, nomeadamente de luzerna e azevém.  A título de exemplo, numa silagem de milho onde foram encontrados níveis baixos de micotoxinas, nomeadamente de 19 microgramas/kg de Fumonisina e de 152 microgramas/kg de Deoxinivalenol (também conhecido por vomitoxina), - aparentemente eram valores extremamente baixos! -  mas na verdade se calcularmos a quantidade de forragem ingerida por uma vaca em cerca de 25 kgs/dia por exemplo, a quantidade ingerida final passará a 475 microgramas/dia para FUM e de de 3800 microgramas/kg para DON, o que já se torna muito grave!

Várias micotoxinas estão envolvidas em processos toxicológicos, mais ou menos graves, não só pelo nível alto de contaminação, como pela presença concomitante de mais do que uma micotoxina que tenha efeitos sinérgicos elevados e tanto ou mais do que a presença elevada de apenas uma. Exemplos como a Aflatoxina, fácilmente transmissível para o leite e que afecta de forma grave o rúmen, e mesmo eventualmente causando gastroenterite e inflamação da boca; o grupo Fusarium como os tricotecenos que levam a uma imunosupressão porque reduzem a produção de neutrófilos e linfócitos, uma vez que estas micotoxinas têm um tropismo especial para os orgãos de defesa. Deste modo, há de facto uma aumento da susceptibilidade às doenças e possiveis infeções tanto entéricas como mamites e metrites. Havendo a  presença concomitante de DON e Aflatoxina podem surgir diarreias hemorrágicas, cetoses e disfunção ruminal. Muitas vezes o diagnóstico é "confundido" com diarreias sazonais devidas à mudança de clima e/ou forragem, quando na verdade pode ter coincidido com mudanças bruscas de contaminação. Nestes casos a flora ruminal, bem como o estado imunitário dos animais, reagem com sinais clínicos difíceis de diferenciar.  A zearalenona (ZEN) é uma outra micotoxina que se apresenta normalmente associada a problemas reprodutivos, e, por mimificar as hormonas estrogénicas normais, poderão surgir logo com sinais em novilhas como aumento do volume do úbere ainda sem terem sido inseminadas, perda de leite, alteração e irregularidade de cios, vaginites, abortos, edema da vulva e infertilidade em geral. Imagem demonstrativa em baixo :

Um dos problemas mundialmente reconhecidos são as laminites em vacas e sabe-se que as origens podem ser de maneio (maneio inadequado dos cascos), condições de estabulação, alimentação excessiva de carbohidratos, não esquecendo que a presença ainda que residual de micotoxinas como tricotecenos no sangue pode levar à inflamação progressiva do casco e à separação do tecido conectivo do lamelar.

Uma colheita de cereais atrasada também pode acarretar maior presença de zearalenona (ZEN) como se pode ver em gráfico abaixo :

Tanto uma colheita precoce como um corte posterior a uma geada levam à formação de fungos e consequentemente de micotoxinas.

De uma forma geral e como se pode compreender, o período pós-parto é o mais sensível por ser mais susceptível a um insuficiente consumo de alimento (balanço energético negativo), alterações hormonais que contribuem para a imunosupressão (e daí a presença simultânea de micotoxinas e agentes infecciosos que acrescem os casos clínicos) e principalmente porque os animais são metabolicamente mais sensíveis a quaisquer alterações alimentares. O fígado é um orgão que entre várias funções metabólicas se encarrega de desintoxicar o organismo de substratros resultantes do catabolismo de nutrientes bem como todo tipo de tóxicos formados ou consumidos, e, deste modo e na presença regular, ainda que variável, de micotoxinas compromete a sua função vital. Daí que presentemente, assiste-se a inúmeras situações de vacas leiteiras que perdem o seu potencial leiteiro em poucas lactações. Falamos de um efeito crónico e arrastado, que não comprometendo os animais de forma aguda e fulminante, a seu tempo provoca distúrbios graves na saúde e produtividade, pelo seu efeito sinérgico (mais que uma micotoxina envolvida) e cumulativo.

Existem hoje métodos analíticos rápidos disponíveis, todavia, os limites de deteção são altos e dai o risco de não detetar possivel contaminação. Só mesmo métodos mais sofisticados (Spectrum 380) e que não apresentam limites de deteção, poderão indicar o nivel de contaminação real como também detetar micotoxinas mascaradas. Estas são também produzidas no campo, apenas ficando sequestradas pela planta que em sua defesa produz um açúcar para envolver a micotoxina. Uma vez mais tarde ingerida pelo animal, ela é libertada, produzindo os seus efeitos tóxicos. Os métodos de análise convencionais não detetam esta forma de micotoxina. De qualquer modo e face ao facto das micotoxinas não estarem sempre presentes e não estarem homogeneamente distribuídas na forragem, os resultados de análise são extremamente falíveis e a melhor prevenção passa pela contínua aplicação de um desactivador de micotoxinas que à eventual e invariável presença de micotoxinas consiga ou absorver ou desactivá-las. Note-se que há micotoxinas que podem ser absorvíveis por um adsorvente e outras que face à sua forma molecular só podem ser desactivadas através de ação enzimática. Daí falarmos mais comumente na utilização preferível de um desativador em vez de unicamente de um adsorvente.

 

Neste processo e especificamente para micotoxinas como DON, tricotecenos e zearalenona, são enzimas produzidas por micróbios que as convertem em metabolitos não tóxicos, sendo posteriormente eliminadas para o exterior sem produzir qualquer efeito tóxico. Este processo para decorrer com a maior garantia deverá ser irreversível, específico, eficaz e não tóxico para o organismo.

Na verdade, e na prática atual, devemos recorrer a uma aplicação sistemática de um adsorvente em doses preventivas, a fim de prevenir a todo o momento a contaminação ou seus efeitos cumulativos e, nos casos mais críticos, quer por evidência de sinais clínicos e/ou análises que demonstrem uma recontaminação mais elevada, aumentar a dose do desativador por um tempo determinado! Como mensagem final permito-me dizer que no contexto agrícola e pecuário atual "Não existem níveis seguros de micotoxinas na alimentação"!

 

Fernando Trajano Lima

Médico Veterinário

Biomin Gmbh