Nutrição da vaca leiteira | Informações Técnicas


O objetivo deste artigo é transmitir aos agricultores a importância que o maneio nutricional tem na rentabilidade da sua exploração.

A boa alimentação é aquela que quando fornecida aos seus animais em quantidade e qualidade necessárias é capaz de potenciar todo o património genético dos mesmos.

Na actualidade, a cadeia de produção de leite tem passado por transformações aceleradas, basicamente em virtude do sector tornar-se competitivo economicamente.

A nossa produção leiteira é desenvolvida desde os sistemas mais simples, até aos mais sofisticados do ponto de vista técnico. No entanto, independentemente da tecnologia presente, a alimentação é o factor que representa maiores encargos ao nível de custos da exploração. Variando normalmente entre os 40 e os 60% dos custos totais.

Face ao exposto, impõe-se que esta deva ser o mais correto e equilibrada possível no sentido de aumentar a eficiência produtiva e económica.

Para implementar um sistema de alimentação, há que considerar o nível de produção da exploração, os estados reprodutivos e de lactação do efectivo, bem como as características das pastagens e do valor nutritivo dos alimentos disponíveis.

Antes de entrarmos na descrição dos alimentos propriamente ditos, torna-se fundamental descrever, ainda que de forma sumária, o aparelho digestivo da vaca.

A vaca leiteira é, de todos os animais, aquele que mais se assemelha a uma máquina de alto rendimento, mercê do complexo sistema digestivo que possui. O estômago da vaca é compartimentado em quatro (Rúmen, Reticulo, Omaso e Abomaso) o que lhe permite converter alimentos de baixo valor em produtos lácticos de alta qualidade. É no controle e optimização deste processo que se baseia o papel do médico veterinário na nutrição da vaca leiteira.

Rúmen - orgão de grandes dimensões com capacidade superior a 132 litros, representa cerca de 65% do volume total do estômago. A sua parede interna é constituída por pequenas projecções (as papilas ruminais) que aumentam grandemente a sua área de absorção, desempenhando um papel importante na manutenção da saúde do mesmo.

Reticulo - compartimento que junto com o Rúmen suporta a fermentação bacteriana dos alimentos.

Omaso - compartimento onde se dá a absorção de água e nutrientes.

Abomaso - trata-se do verdadeiro estômago ou estômago glandular. Graças á sua produção de enzimas digestivas os alimentos são digeridos em partículas mais pequenas. Chegadas ao intestino delgado (Duodeno, Jejuneo e Ilion) por acção das enzimas digestivas aí produzidas, os alimentos são convertidos em açucares simples aminoácidos e ácidos gordos e posteriormente absorvidos para as correntes sanguínea e linfática.

As vacas leiteiras apresentam uma dinâmica ruminal muito própria: estão entre 8 e 10 horas por dia a ruminar. Quando estão a descansar (não comendo ou sendo ordenhadas) mais de 60% deverão estar a ruminar e, cada porção de alimento deverá ser mastigado pelo menos 50 vezes antes de ser novamente engolido. Este valor dá uma indicação adequada do tamanho das partículas do alimento. Se o alimento é demasiado grosseiro (ex - palha) será necessário mais tempo de ruminação, o que leva á diminuição da ingestão de alimento. Pelo contrário se o alimento é mais fino (mais moído), será necessário menos tempo de ruminação, levando o animal a ingerir mais.

Os principais nutrientes que fazem parte da alimentação da vaca leiteira são os Carboidratos, Proteínas, Gorduras, Minerais, Vitaminas e Agua.

Os carboidratos (existem essencialmente nos cereais, milho cevada trigo) constituem a principal fonte de energia na alimentação da vaca leiteira e a primeira fonte de energia para a flora microbiana ruminal. Em media possuem 70 a 80% de matéria seca.

Proteínas são essenciais para manutenção crescimento, reprodução e produção leiteira.            

Existem 3 tipos de proteínas:

Proteína solúvel e Proteína degradável no Rúmen representam a fracção proteica que pode ser degradada no Rúmen em Amónia, Péptidos ou Aminoácidos que poderão ser utilizados pela flora ruminal.

Proteína não degradável no Rúmen - é aquela porção de proteína presente nos alimentos que não é degradada no Rúmen e que permanece intacta durante a sua passagem para o restante tubo digestivo, sendo parte dela absorvida e restante parte eliminada através das fezes.

Gorduras - representam uma importante fonte de energia que podem aumentar a palatibilidade (gosto). No entanto estas gorduras devem ser protegidas para evitar a sua degradação ruminal, sendo absorvidas posteriormente no intestino.

Minerais e Vitaminas - são muito importantes quer para certas funções estruturais quer para favorecer o crescimento dos microrganismos da flora ruminal.

Macrominerais (cálcio, magnésio, fósforo, potássio, sódio e enxofre).

Microminerais (cobalto, cobre, iodo, ferro, manganês selénio e zinco).

Vitaminas lipossoluveis - AD3E

Vitaminas hidrossoluveis - Vit do grupo B.

Agua - O consumo de água pela vaca leiteira depende de vários factores: tamanho do animal, nível de produção de leite, temperatura ambiente e da ingestão de minerais e matéria seca. Deve ser assegurada forma permanente e abundante, com qualidade (limpa e livre de infecções), através de sistemas de bebedouros em nº suficiente, especialmente junto das saídas das salas de ordenha, por todo o estabulo, e nas pastagens sempre perto dos animais, para estimularem estas a beberem sempre que sintam necessidade. Vacas em lactação requerem grandes quantidades de água. Na nossa região estas consomem aproximadamente 4 litros de água por cada litro de leite produzido. Saliente-se que o leite é constituído por 87 a 88% de água.

Misturados todos os alimentos, no Rúmen tem que se criar um pH óptimo para as populações bacterianas promoverem a sua digestão. Para as populações bacterianas que degradam açucares não estruturados (amido e açucares simples) o pH varia entre 5.5 e 6.0, e as que degradam a fibra o pH varia entre 6.0 e 6.8, daí que um pH neutro próximo de 6.0 seja o que melhor favorece o crescimento de ambas as populações.

Se fornecermos dietas ricas em carboidratos (concentrados, silagem de milho), vamos baixar o pH, verificando-se então uma redução da actividade da população bacteriana que faz a degradação da fibra dando origem a acidose que se manifesta através de diarreias, laminites (problemas de patas) e baixa de produção de gordura no leite.

Pode-se afirmar que o aumento de concentrado em relação ao alimento grosseiro (fibroso), pode traduzir-se tanto no aumento da produção de leite, como no aumento da taxa de proteína do mesmo.

Ao contrário se fornecemos dietas ricas em fibras (alimentos grosseiros), o pH aumenta, bem como o tempo de ruminação e a produção de saliva, verificando-se simultaneamente um aumento considerável na taxa de gordura no leite.

Neste contexto pode-se afirmar que a taxa de gordura no leite e o aspecto e consistência das fezes, dão uma indicação fidedigna do estado de saúde do Rúmen da vaca leiteira em produção.

Através do exposto reforça-se a ideia que a relação concentrado/alimento fibroso deva ser cumprida de forma escrupulosa para evitar os citados problemas.

Uma situação que se verifica frequentemente nas nossas explorações, nomeadamente na Primavera, quando existe grande produção de erva, é a substituição de algumas silagens por erva de pastagem. É também nesta altura que se verificam frequentes situações de diarreias e baixas de gorduras no leite, resultantes das acidoses que se desenvolvem no Rúmen, devido "a carência de fibra veiculada pela erva de pasto, por esta estar num estado vegetativo muito precoce. Chama-se á atenção dos agricultores para terem algum critério nas mudanças alimentares, visto ser esta conduta inapropriada e porventura muito pouco rentável.

Como já foi descrito anteriormente a digestão dos alimentos no Rúmen é feita por populações bacterianas que precisam de um ambiente com um pH óptimo (6.0) para exercerem a sua actividade, daí que alimentação da vaca leiteira ao longo de toda a lactação deve ser o mais uniforme possível. Sempre que for necessário fazer alguma alteração na composição da dieta, esta deve ser feita de uma forma gradual e em proporções (quantidades de cada alimento) correctas, e nunca de forma abrupta.

A melhor forma de fornecer alimentos ás vacas leiteiras é feita através das rações completas TMR (mistura total de ração). A utilização do Unifeed para misturar concentrados, silagens, feno, minerais e vitaminas é um método com grandes vantagens porque: estabiliza o pH ruminal ao fornecer simultaneamente proteína degradável e carboidratos fermentesciveis no Rúmen, aumenta a capacidade de ingestão de matéria seca, minimiza a selecção dos diferentes componentes da ração e diminui o risco das alterações digestivas.

É preciso dar muita atenção ao tamanho médio dos alimentos. Estes devem ter um comprimento médio ligeiramente superior a 2 cm, porque assim contribuem para o aumento da fibra no Rúmen, do período da ruminação, bem como para a manutenção dos movimentos ruminais e do aumento de produção de saliva e gordura no leite. Quando os alimentos são muito moídos ou seja mais refinados, há tendência para menores períodos de ruminação, menos saliva, redução do pH e maior risco de acidose. Em contrapartida alimentos com partículas demasiado grandes leva as vacas a fazer uma maior selecção dos alimentos na manjedoura, traduzindo-se numa menor ingestão.

Naquelas situações em que as vacas têm que comer grandes quantidades de concentrado durante a ordenha (5 a 7 kg de uma só vez) como se verifica na maioria das nossas explorações, a possibilidade de distúrbios gástricos (acidoses, diarreias) são frequentes, com prejuízos evidentes para a rentabilidade económica da exploração.

É importante reforçar que as vacas devem ter alimentos, bem como agua, disponível a todo o momento do dia, daí que fornecer os alimentos de uma só vez seja mais benéfico do que distribuir 2 ou 3 vezes ao dia.

Tem de se ter em conta que as vacas no início da lactação necessitam de alimentação rica em energia (concentrado, silagem de milho e outros cereais), para fazer face á quantidade enorme de energia dispendida para a produção de leite. Caso esta não seja compensada através da ingestão de alimentos ricos em energia, a vaca mobiliza gorduras corporais, emagrece muito, entra em balanço energético negativo, resultando posteriormente em várias situações de cetoses, deslocamentos de abomaso e problemas reprodutivos.

Na segunda metade da lactação, a vaca já ganhou alguma condição corporal, passando a necessitar de ingerir menor quantidade de energia, devendo-se lhe fornecer alimentos com bastante fibra de boa digestibilidade (silagens e fenosilagens).

Pelo facto das necessidades alimentares da vaca seca serem muito diferentes da vaca em produção, vai ser abordado de forma autónoma a alimentação da vaca no período seco.

Uma máxima que os agricultores devem ter sempre presente, é que o período secagem deve ser entendido como o início de uma nova lactação. A alimentação e o maneio adequados, são fundamentais para a manutenção da saúde da vaca, a optimização da produção na lactação seguinte e aumento da eficiência reprodutiva. Através de um programa alimentar correcto pode ser aumentada a produção de leite entre os 250 e os 650 litros na lactação seguinte e reduzir ainda o risco de ocorrência de perturbações metabólicas como Hipocalcémia, Acetonémia, Retenção placentária e deslocamento de abomaso.

O período seco ideal deve andar á volta dos 60 dias, embora existem vários factores que podem influenciar a sua duração (idade nº de lactações, condição corporal da vaca, doenças metabólicas em lactações anteriores, ccs na lactação anterior). Animais jovens, má condição corporal (vacas magras), e células somáticas elevadas na lactação anterior, normalmente necessitem que se prolongue um pouco a duração do período seco para estes ganharem condição corporal e para que as infecções intramamárias sejam debeladas. Em oposição vacas com elevada condição corporal (muito gordas) e com doenças metabólicas em lactações anteriores necessitam que este seja reduzido. Numa escala que mede a condição corporal de 1 a 5, o valor ideal que vaca deve apresentar á altura da secagem ronda os 3.5.

Períodos secos muito curtos (menos de trinta dias) reduzem substancialmente a produção de leite e a qualidade do colostro.

Relativamente á alimentação da vaca seca, esta deve distinguir duas fases:

- Fase seca - desde a secagem até as 3 semanas antes da data prevista para o parto.

- Fase de transição - decorre desde as 3 semanas antes do parto até ás 3 a 4 semanas depois do parto.

Na fase seca, a alimentação fornecida ás vacas deve ser composta por forragens de qualidade mediana, com teor em energia relativamente baixo e alto teor em fibra, como é o caso dos azevéns que permitem uma dieta adequada para a manutenção da condição corporal.

Não devem ser fornecidas silagens de milho, mas se for necessário a sua administração, deve ser em pequenas quantidades. Evitar o fornecimento de pastos ou silagens ricas em leguminosas (trevos, luzerna) porque são muito ricas em cálcio e potássio, não permitindo o correcto funcionamento do mecanismo de mobilização do cálcio ósseo próximo do parto, o que conduz a um aumento consideravelmente o risco de Hipocalcémia. Fornecer diariamente de 1 a 3 kg de concentrado (adequado para vacas secas)para manter a flora microbiana ruminal adaptada a este tipo de alimento. Administrar em doses reforçadas Selénio e vitamina E, para aumentar a resistência imunitária ás infecções e reduzir a incidência de retenção placentária.

Na fase de transição, tem-se como objectivo primeiro prevenir os possíveis problemas metabólicos dos pós parto. Nesta altura verifica-se um aumento acentuado de necessidades nutritivas por parte do feto (o crescimento do vitelo nos 60 dias de secagem, atinge 60% do peso á nascença) e para a produção de colostro, numa altura em que a ingestão de matéria seca por parte da vaca pode diminuir cerca de 30% por falta de espaço abdominal. Nesta altura deve-se aumentar a energia da dieta recorrendo á administração de concentrado. No entanto é fundamental esta incorporação ser feita de forma gradual (0.25 kg por dia) até atingir 4.5 a 5 kg no momento do parto (em vacas com 600 a 650 kg de peso). Isto para adaptar de forma gradual a população microbiana do Rúmen a alimentos concentrados e reduzir os riscos de acidoses muito frequentes nesta fase. Fornecer vitaminas, sais minerais, administrar por via injectável Selénio e         vitamina E três semanas antes do parto.

Um factor muito importante é manter a vaca seca em boas condições ambientais: se for fechada deve ficar em locais limpos e secos, se for na pastagem evitar zonas pantanosas. É preciso ter em conta que é nesta altura que grande parte das mamites ambientais são contraídas.

As vacas devem parir em maternidades ou em locais isolados, porque a proximidade dos outros animais do efectivo causa-lhes grande Stress, traduzindo-se em aumento da taxa de retenções de placenta, para alem do facto de muitos dos recém nascidos não mamarem o colostro proveniente das mães, visto que existe sempre em qualquer manada vacas que os adoptam  

 

Dr. João Vidal

Médico veterinário