Fotossensibilidade ou doença da pele | Informações Técnicas


A Fotossensibilidade caracteriza-se por um excesso de sensibilidade aos raios solares causadas pela interação da luz solar com agentes fotodinâmicos em circulação, resultante da ingestão de certas drogas, plantas e essencialmente fungos.

É uma patologia que ocorre anualmente em diversas explorações agropecuárias nos Açores, com maior incidência no Verão e início de Outono, atinge várias espécies pecuárias com especial relevo para os bovinos.

 

Como se pode classificar esta patologia?

Tendo em conta a sua patogénese as fotossensibilizações podem ser classificadas em primária sem lesão hepática e secundária ou hepatogénea em que ocorre lesão hepática.

A forma secundária ou hepatogénea é a mais importante nas explorações de bovinos nos Açores e resulta essencialmente da ingestão de esporos produzidos por um fungo saprófita (Pithomyces chartarum), contendo uma potente hepatotoxina (Esporodesmina). Esta toxina provoca lesões hepáticas consideráveis como pericolangite e obstrução dos ductos biliares, reduzindo a capacidade do fígado exercer o seu efeito excretor da filoeritrina principal agente fotodinâmico. A filoeritrina resulta da degradação da clorofila (pigmento existente nas forragens verdes) no Rúmen. Na sequência de disfunção hepática a filoeritrina não é excretada, mantêm-se em circulação e atinge a pele, onde desencadeia reações fotoquímicas com ação citotóxica nos tecidos cutâneos e resposta inflamatória aguda da pele.

Sendo que a principal micotoxicose é causada pelo fungo Pithomyces chartarum esta patologia vai ser designada como Pitomicotoxicose (Eczema facial) ao longo do restante texto.

 

Quais são os factores  de risco?

O fungo desenvolve-se principalmente na matéria vegetal morta na base da pastagem. Uma das condições favoráveis para a ocorrência da pitomicotoxicose é o pastoreio intensivo e o facto de os animais comerem as forragens junto ao solo.

 

Em que época do ano ocorre e porquê?

As condições ideais para o desenvolvimento dos fungos e produção de esporos, incluem no mínimo três dias consecutivos a uma temperatura mínima no solo de 16ºC e uma humidade superior a 90%. Os meses de Agosto e Setembro são aqueles onde se verificam maior incidência de casos de fotossensibilidade, embora também possam ocorrer em Julho e Outubro dependendo das condições climatéricas.

 Verões quentes e húmidos são particularmente favoráveis ao aparecimento de inúmeros casos, não só por favorecerem a produção de esporos mas também uma exuberante produção de forragem. Esta maior disponibilidade de forragem leva os agricultores a fornecerem maiores quantidades de produto potencialmente tóxico aos animais (recorrendo menos à suplementação com alimentos ensilados e concentrados), colocando-os mais expostos a ação do fungo.

 

Qual a localização geográfica?

A fotossensibilidade ocorre em muitos países, por todos os continentes sempre que existam condições climatéricas para o desenvolvimento do fungo. No entanto, é preciso destacar que em muitas regiões do mundo existem populações de Pithomyces chartarum que não são toxinogénicas enquanto que nos Açores e Nova Zelândia estas são maioritariamente toxinogénicas.

Nos Açores a Pitomicotoxicose não se verifica em todos os locais. Ocorre essencialmente em pastagens de média e elevada altitude e em locais onde exista temperatura e sobretudo humidade elevadas. Em locais baixos e pouco húmidos o fungo não é capaz de se desenvolver. No entanto nestes locais desenvolve-se outra forma de fotossensibilidade provocada pela ingestão uma planta tóxica (Lantana câmara) que não é mais que uma infestante nestes locais, mas funciona como uma planta ornamental em Portugal e muitos países do sul da Europa. Os sintomas provocados pela ingestão desta planta são muito semelhantes aos da pitomicotoxicose, mas o desfecho é quase sempre fatal.

 

Quais os sintomas?

O animal perde o apetite, procura as sombras, apresenta-se muito excitado (escoiceia a barriga, lambe-se, coça-se contra obstáculos), apresenta grande prurido (comichão), a pele nas zonas mais claras e sob incidência directa do sol apresenta-se eritematosa (avermelhada). As narinas, tetos sobretudo a parte externa, o úbere, a vulva, o períneo e a região do dorso são as que apresentam os primeiros sinais visíveis. A zona da barbela por vezes apresenta um edema pronunciado. Numa fase mais avançada as zonas queimadas ficam escuras com a pele ulcerada, muito dura, desidratada, os animais apresentam-se ictéricos urinam muito (urina muito escura), o aborto ocorre frequentemente, numa fase mais avançada a pele solta-se, surgem úlceras nas camadas mais profundas da pele e por fim pode ocorrer a morte.

               

Quais os grupos de animais mais afectados?

Dentro de uma mesma exploração os casos de fotossensibilização podem verificar-se em qualquer animal. No entanto é mais frequente nas vacas secas e novilhas. Estes grupos, normalmente são separados do grupo em produção. Quando separadas, frequentemente deixam de ser alimentadas com concentrados, sendo em muitos casos alimentadas exclusivamente com pastagens por vezes contaminadas. Nestas circunstâncias, durante os períodos críticos podem surgir simultaneamente, na mesma exploração, um elevado número de animais com sintomas de doença. Para agravar a situação, como estes animais não estão em produção, são alimentados apenas uma vez por dia sendo-lhes dada pouca atenção, daí que o diagnóstico normalmente seja feito tardiamente e as consequências sejam potencialmente mais graves.

 

Como se faz o diagnóstico?

O diagnóstico é fácil se o agricultor ou o clínico tiverem em consideração a época do ano, as condições climatéricas e as condições de maneio, dado que os sinais clínicos são bastantes exuberantes. Quanto mais cedo for diagnosticada a doença e os animais tratados, melhores são as possibilidades de evitar lesões graves e de cura.

É preciso ter em atenção que pode ocorrer um surto, sem sinais clínicos evidentes. Neste caso deve considerar-se a existência da doença na forma subclínica (sem apresentar sinais visíveis).

Como já foi referido deve-se fazer o diagnóstico diferencial da Pitomicotoxicose com a intoxicação por Lantana camera. Este torna-se fácil porque os locais onde se desenvolvem não são coincidentes. Enquanto a primeira ocorre em locais muito húmidos durante um período limitado do ano, a segunda ocorre em locais secos e durante a maior parte do ano. É preciso ainda ter presente que decorre um período de cerca de 10 a 14 dias entre a ingestão do material tóxico e o aparecimento dos primeiros sintomas de fotossensibilidade, ou seja quando o problema é detetado já existem lesões no fígado e vias biliares

 

Qual o tratamento aconselhado?

Consiste essencialmente em proporcionar conforto aos animais, ou seja colocando-os em locais sombrios sem incidência da luz solar. Retirar o alimento potencialmente tóxico, reduzir ou eliminar o consumo de alimentos verdes ricos em clorofila, hidratar o mais possível, administrar anti-inflamatórios e/ou anti-histamínicos, vitaminas lipo e hidrossoluveis. Caso ocorra infeção de pele é necessário administrar antibiótico. Numa fase posterior colocar uma substância que amacie a pele rica em Vit A (e.g. óleo de fígado de bacalhau).

 

Quais as consequências e impacto económico?

 A fotossensibilidade apresenta um enorme impacto económico numa região como os Açores, onde a atividade económica principal é a produção de leite. É uma patologia caracterizada por uma acentuada perda de peso, atrasos no crescimento, redução na produção de leite, abortos, retenção placentária, doenças metabólicas, deslocamento de abomaso, rejeição de um número muito elevado de carcaças no matadouro, e muitas mortes. No entanto é preciso ter presente, que por cada caso detetado clinicamente numa exploração, um número muito elevado ou a totalidade dos animais desta exploração estão afetados na forma subclínica.

 

Quais as medidas de prevenção a adoptar?

Para reduzir a incidência da Fotossensibilidade deve evitar-se a utilização de fertilizantes azotados nas pastagens durante os meses de maior risco, porque uma pastagem azotada é potencialmente mais tóxica.

Durante o período crítico deverá fornecer-se silagem a todos os animais, isto é fazer a alimentação depender o menos possível do produto potencialmente tóxico (a erva existente na pastagem). É necessário prestar especial atenção às vacas secas, uma vez que estas para além de possuírem fígados mais susceptíveis, são também submetidas a uma brusca mudança da alimentação (em muitos casos passam a ser alimentadas apenas com pastagem) quando separadas do grupo de lactação. Uma das medidas a tomar rapidamente quando o problema for detectado, é retirar imediatamente os animais desta pastagem.

As gramíneas (azevéns) são muito susceptíveis à infestação pelo fungo, ao contrário das leguminosas, pelo que se aconselha, aos agricultores, consociações (azevéns mais trevos), para obter pastos menos perigosos.

Uma forma eficaz de proteger os animais da Pitomicotoxicose consiste na administração de zinco nos períodos críticos. Pode ser feita quer através da incorporação sulfato de zinco na água da bebida (apenas em animais que não estão a produzir leite, visto que o produto reduz a apetência pela agua) ou óxido de zinco em cápsulas de libertação lenta com ação protectora durante cinco semanas. Em qualquer das situações o zinco disponível deve andar à volta de 15-20mg/kg de peso vivo.

O zinco actua ligando-se à toxina do fungo Pithomyces chartarum (Esporodesmina), formando quelatos no intestino impedindo a entrada da toxina em circulação.

Ultimamente os agricultores, estão mais conhecedores da patologia e das condições em que esta se desenvolve, por isto, recorrem cada vez em maior numero ás medidas preventivas de proteção.

 

João Vidal, Médico Veterinário exerce actividade clínica e reprodutiva na Associação Agrícola de São Miguel (AASM)

Entrevista incluída na revista ruminantes