Indústria regional tem de acompanhar as subidas de leite registadas a nível nacional | Agricultor 2000


O Presidente da Federação Agrícola dos Açores, Jorge Rita, analisa o momento atual da fileira do leite e as consequências para os produtores.  O setor da carne nos Açores é alvo de reflexão. O PEPAC e a sua importância para a região são ainda analisados nesta entrevista. O Plano e orçamento para 2023 são igualmente abordados.

- Os aumentos dos custos dos fatores de produção têm sido uma realidade. Como é que se encontra a fileira do leite?

Jorge Rita - O aumento das matérias primas, dos combustíveis, dos fertilizantes, da energia, dos fretes marítimos ou do gasóleo têm tido um impacto significativo nos custos dos fatores de produção das explorações.

Os aumentos nos preços dos transportes têm sido significativos provocando subidas de vários produtos. Os impactos dos transportes nas importações e nas exportações são substanciais. Não nos podemos esquecer que nos últimos meses, verificaram-se subidas superiores a 100%, dos preços dos fretes dos transportes marítimos de granéis sólidos e de cerca de 500% nos preços dos fretes da carga contentorizada da China para a Europa Ocidental. Estes são valores extraordinários e que depois se refletem nos preços dos transportes marítimos, nomeadamente, no nosso caso, em que por sermos região ultraperiférica, estamos longe dos mercados principais

Embora já se tenham registado algumas subidas do preço de leite nos Açores, estas têm-se revelado insuficientes.  Os recentes aumentos anunciados para outubro vão no caminho certo, mas ainda não cobrem as necessidades da produção.

Recentemente, no Continente a partir de 1 de novembro, o Pingo Doce anunciou a subida de 5 cêntimos por litro de leite aos seus produtores, o que resultará num preço de 60 cêntimos por litro e a Lactogal de 3 cêntimos, originando um preço final de 57 cêntimos. Estes são valores que contribuirão mais uma vez, para aumentar o diferencial de preço de leite entre a região e o continente, que passará a mais de 7 cêntimos.

 Têm de existir novas subidas do preço do leite que permitam aos produtores saírem do sufoco que ainda vivem. Igualmente, o aumento das taxas de juro e a crise inflacionária promovem o aumento de custos de exploração que não conseguem ser compensados só por ganhos de eficiência, por isso, é preciso que o Governo Regional continue a adotar medidas capazes de ajudar a fileira e, a indústria, tem de ser solidária com os produtores, pagando um preço justo pelo leite que recebe

Sabemos também que a distribuição não pode alhear-se da realidade da fileira de leite regional e nacional, devendo ter uma atitude proativa na defesa da produção nacional, e isso, passa pela valorização dos produtos lácteos que apresentam nas prateleiras, e têm de acabar com as constantes promoções do leite, que só servem de chamariz para a venda de outros produtos.

- Entretanto, tem se registado uma diminuição da produção na região quer por via da redução voluntária da produção de leite quer da reconversão de explorações de leite para carne..

J. R. - Esses são os resultados da estratégia que foi seguida pelo Governo dos Açores e pela Federação Agrícola dos Açores para a fileira do leite, e que teve como objetivo reconversão de explorações de leite para carne e da diminuição da produção de leite na região. Refira-se que o próprio Presidente do Governo percebeu muito bem esta estratégia de redução da produção, e até setembro - dados provisórios - registou-se uma diminuição de cerca de 28 milhões de litros (-5,64%) nos Açores.

Em São Miguel essa descida é de 18,1 milhões de litros, referentes a menos 5,45%, face ao período homologo de 2021.

Espera-se que no final tenhamos uma redução da produção de cerca de 30 milhões de litros e que resulta fundamentalmente da redução voluntária da produção de leite na região, adotada em São Miguel, Terceira e Graciosa. Existiu uma aderência de cerca de 60% dos produtores que vão receber uma compensação de 15 cêntimos por kilo de leite se reduzirem a sua produção até 20%, sem qualquer perda de ajudas comunitárias. Esta diminuição da produção obrigou a indústria a repensar a sua forma de estar no terreno, provocando alguma procura de leite no mercado, o que permitiu a subida do preço de leite.

No caso da reconversão de leite, foram reconvertidas cerca de 60 explorações de leite para carne, correspondendo a um volume de leite de aproximadamente 23 milhões de kilos.

Todas as dificuldades da fileira do leite, têm permitido nos últimos anos uma alteração de paradigma, tendo-se verificado uma grande redução do número de cabeças de gado e uma acentuada diminuição de produção de leite.

Temos que dar algum mérito a estes produtores, porque não é fácil sair do leite. Quem está habituado a produzir leite para depois produzir carne, tem de passar por um processo que não é muito fácil. Tiveram coragem, mas também as condições existentes levaram os a isso. Não só a baixa de rendimento devido á forma como o leite era pago, mas também por falta de mão-de-obra. Estamos a viver uma situação muito difícil por falta de mão-de-obra na agricultura, não só no leite, mas também nas restantes produções agrícolas. Esta realidade pode limitar em muito, a nossa capacidade de produzir alimentos na região. O abandono da produção de leite e transferência para a carne é, devido a algum descontentamento dos produtores em função do preço do leite, mas em muitos casos, é por falta de mão-de-obra.

- O setor da carne assume cada vez mais importância…

J. R. - Sem dúvida. Este é um setor que precisava de maior organização e estão a ser dados passos nesse sentido existindo cada vez mais, melhores produtores e operadores. A constituição da CERCA é também um fator positivo na solidificação do setor. Nos Açores entendo que é preciso dar um salto na qualificação da carne açoriana, a região tem matéria-prima de excelência, que precisa ser valorizada. O setor da carne é muito importante na economia regional e tem um potencial elevado de crescimento, e obviamente, de criar valor acrescentado. A produção de carne pode ser mesmo a atividade agrícola principal, em algumas ilhas do arquipélago, numa altura em que o leite tem uma situação instável. No entanto, há que apostar mais na formação e rever a política de transportes existente na região, fundamental para o sucesso das nossas exportações neste área..

- O PEPAC de Portugal foi recentemente aprovado pela União Europeia. Em que etapa está sua aplicação na região..

J. R. - Ainda estamos numa fase muito inicial e deveríamos já estar mais informados sobre esta temática atendendo a que o próximo quadro comunitário vai ser decisivo para a região, já que os novos pressupostos da PAC, assentes no pacto ecológico europeu, nas estratégias do prado ao prato e da biodiversidade 2030, serão exigentes para os agricultores. Mas os Açores, pelas condições que já têm no que se refere por exemplo, à sua contribuição para a descarbonização, poderão adaptar-se muito bem às grandes orientações propostas pela União Europeia. Os valores aprovados neste Plano Estratégico da Política Agrícola Comum - PEPAC - para a região são ligeiramente superiores ao anterior quadro comunitário de apoio, mas é necessário ainda, uma análise mais aprofundada entre o Governo Regional e a Federação Agrícola dos Açores no que se refere à adoção das medidas aprovadas, bem como, á sua dotação.

Não basta os meios financeiros estarem disponíveis, é preciso que as medidas a implementar vão de encontro às necessidades dos agricultores, que continuam a ser muitas e diversificadas. A modernização do setor agrícola tem de continuar e para isso, o investimento comunitário deve ser preferencialmente canalizado para a produção, ao contrário do PRR, que se orientou para o setor público.

Não nos podemos esquecer que na área agrícola, e associado ao investimento público (componente comunitária e regional), existe o investimento privado, que muitas vezes é superior à comparticipação regional. O investimento privado no setor tem um efeito multiplicador em muitas outras atividades, sendo por isso, fundamental na coesão social e económica das nossas ilhas.

- As Antepropostas do plano e orçamento para o ano de 2023 foram recentemente apresentadas. Que comentários merecerem?

J. R. - Nesta anteproposta do plano para 2023, o setor agrícola, sofre um decréscimo de cerca de 4,9 milhões de euros, dos quais 3,8 milhões de euros são da componente regional.

Face às necessidades do setor, não podemos concordar com a diminuição de verbas inscritas, já que as consequências da crise inflacionária, do aumento das taxas de juro, dos custos das matérias primas, dos combustíveis, dos fertilizantes, dos fretes marítimos ou da energia, irão continuar a influenciar os comportamentos dos preços praticados na agricultura.

O setor precisa que avancem medidas que continuem a reestruturação da agricultura, como a reconversão de explorações de leite para carne, a redução voluntária da produção de leite, a implementação de um novo SAFIAGRI, a cessação da atividade agrícola, o alargamento da formação profissional junto dos agricultores e dos mais jovens, as infraestruturas agrícolas ou o apoio aos jovens agricultores.

Assim, a reestruturação do setor leiteiro, a melhoria do setor da carne, da hortoflorifrutícola, da agricultura biológica, da floresta ou da vinha são essenciais no desenvolvimento económico da região.

Sabemos que mais do que os valores apresentados, a sua execução é fundamental, por isso, se esta for alta e se o governo estiver aberto a medidas inovadoras (como aliás, tem estado), a dotação do plano para 2023 pode ser suficiente para cobrir as necessidades.

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